(abortistas
encontraram atalho fácil para contornar o Congresso)
Nos dias 11 e 12 de abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal
aprovou por oito votos contra dois o pedido da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental n. 54 (ADPF 54) de reinterpretar o Código Penal de modo a
não considerar crime de aborto a “antecipação terapêutica de parto (ATP)” (!)
quando a criança for portadora de anencefalia. O Ministro Dias Toffoli
declarou-se impedido de votar, uma vez que já havia atuado no processo como
advogado geral da União (favorável ao aborto, é claro).
O argumento chave do relator Ministro Marco Aurélio é o de que o
bebê anencéfalo é um “natimorto cerebral”. É certo que essa monstruosidade havia
sido afirmada pela Resolução 1752/2004 do Conselho Federal de Medicina
[1],
confirmando o Parecer 24/2003, que autorizava a retirada de órgãos do
recém-nascido ainda que ele estivesse respirando e com o tronco cerebral
funcionando!
[2] No entanto, o Ministro se esquece que tal
resolução
foi revogada pela Resolução
1949/2010
[3].
Além disso, ele não menciona que em 2 de março de 2007, o Ministério da Saúde
publicou a Portaria 487/2007, estabelecendo que a retirada de órgãos do
anencéfalo “deverá ser precedida de diagnóstico de
parada cardíaca
irreversível”
[4].
Não se pode, portanto, extrair órgãos de um anencéfalo recém-nascido, enquanto
seu coração estiver batendo.
No raciocínio do Ministro, se o bebê anencéfalo é morto,
sua retirada do útero é um fato
atípico. Não se enquadra no crime de
aborto. É um procedimento semelhante à remoção de um cadáver. Segundo Marco
Aurélio, “o anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de
vida em potencial, mas de morte segura”
[5]. E
ainda: “Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida
em potencial. Nocaso do
anencéfalo, repito, não existe vida possível”
[6].
Paradoxalmente, Marco Aurélio admite que o anencéfalo
morre depois de um período pequeno de tempo. Ora, como ele pode morrer se já
está morto?
E quanto ao célebre caso de Marcela de Jesus Ferreira, que viveu
um ano, oito meses e doze dias? A solução do Ministro é simples: Marcela não era
anencéfala. “O diagnóstico estava equivocado”
[7].
Por que motivo? Porque ela possuía “um pedacinho do lóbulo temporal que faz
parte dos hemisférios cerebrais”
[8].
Ora, mas isso não descaracteriza a anencefalia, assim como a presença de um
pequeno tufo de cabelos não descaracteriza a calvície. De fato, segundo o Comitê
de Bioética do governo italiano, “a anencefalia não é uma má-formação do tipo
tudo ou nada, ou seja, não está ausente ou presente, mas trata-se de uma
má-formação que passa, sem solução de continuidade, de quadros menos graves a
quadros de indubitável anencefalia”
[9].
Suponhamos, porém, apenas para argumentar, que Marcela não fosse
de fato anencéfala, apesar de tantos médicos terem dito o contrário
[10].
Isso contradiria a afirmação taxativa de Marco Aurélio, segundo a qual é
possível um “diagnóstico de
certeza”
[11] sobre a anencefalia ainda na 12ª semana de
gestação!
A posição contraditória do Ministro relator é compreensível,
sobretudo neste Tempo Pascal. O túmulo está vazio, apesar de os guardas o terem
vigiado. Que fazer? Admitir que Jesus ressuscitou? De maneira alguma!
Subornem-se os guardas para que eles digam que, enquanto dormiam, vieram os
discípulos e roubaram o corpo do Senhor (Mt 28,12). A contradição, porém, é
inevitável: se eles dormiam, como puderam ver que alguém roubou aquele
corpo?
O Ministro Ricardo Lewandowski, em brilhante voto, julgou
improcedente o pedido, denunciando que na verdade o que se pretendia é que o STF
usurpasse “competência privativa do Congresso Nacional para criar, na espécie,
outra causa de exclusão de punibilidade ou, o que é ainda pior, mais uma causa
de exclusão de ilicitude”
[12].
Salientou que há projetos de lei em tramitação sobre o aborto de anencéfalos que
até hoje não foram aprovados pelo Congresso. As palavras de Lewandowski lembram
as pronunciadas pela então Ministra Ellen Gracie em 2005, quando percebeu a
deslealdade do uso da ADPF para legislar:
“Parece-me profundamente antidemocrático pretender obter, por
essa via tão tortuosa da ADPF, manifestação a respeito de um tema que, por ser
controverso na sociedade brasileira, ainda não logrou apreciação conclusiva do
Congresso Nacional, ainda que registradas tantas iniciativas legislativas em
ambas as Casas.
Não há o Supremo
Tribunal Federal de servir como ‘atalho fácil’ para a obtenção de resultado – a legalização
da prática do abortamento – que os representantes eleitos do povo brasileiro
ainda não se dispuseram a enfrentar”
[13].
Lamentavelmente o bom senso de Lewandowski só foi acompanhado
pelo voto do presidente do tribunal Cezar Peluso. Último a votar, ele afirmou
que a argumentação favorável ao aborto (eufemisticamente chamado “antecipação
terapêutica de parto”) de anencéfalos poderia ser usada, com ligeiras
modificações, para justificar o assassinato de bebês anencéfalos
recém-nascidos:
“Em seu ânimo, a proposta seria idêntica: para resguardar alguns
supostos direitos superiores da mãe – como saúde psíquica e liberdade pessoal –
seria legítimo eliminar, à margem de qualquer previsão legal, a vida intra ou
extrauterina do anencéfalo porque em um ou outro caso, muda só o momento de
execução, não o ato de extermínio nem os pretextos para praticá-lo”
[14].
Quanto à afirmação de que o anencéfalo é um “natimorto”, Peluso
rebateu usando palavras da Dra. Lenise Garcia: “O anencéfalo morre, e ele só
pode morrer porque está vivo”. Reafirmou ainda que o STF não pode atuar como
legislador positivo: “Não temos legitimidade para criar, judicialmente, esta
hipótese legal”. Lamentavelmente, porém, Peluso não demonstrou arrependimento
por ter votado a favor da destruição de embriões humanos (ADI 3510) em 2008.
O Ministro Gilmar Mendes teve a sinceridade de reconhecer que o
que a ADPF 54 pretendia era de fato criar uma hipótese legal deaborto,
mas julgou que o STF tem legitimidade para fazê-lo mediante a interpretação
conforme a Constituição “com efeito aditivo”. Julgou procedente o pedido, com a
condição de que as autoridades competentes editassem normas para um diagnóstico
seguro de anencefalia.
Celso de Mello não admitiu chamar de aborto a “antecipação
terapêutica de parto” do anencéfalo, uma vez que, segundo ele, “não há vida a
ser protegida”(!). Julgou procedente o pedido, mas acompanhou Gilmar Mendes
quanto à exigência de normas para um diagnóstico de anencefalia.
Os outros Ministros julgaram o pedido da ADPF 54 procedente sem
qualquer condição específica de diagnóstico. Eis o resultado:
Contra o aborto de
anencéfalos
|
A favor do aborto
de anencéfalos, com a edição de normas de diagnóstico
|
A favor do aborto
de anencéfalos, sem norma específica de diagnóstico
|
Ricardo
Lewandowski
Cezar Peluzo
|
Gilmar
Mendes
Celso de Mello
|
Marco
Aurélio
Joaquim Barbosa
Rosa Weber
Luiz Fux
Cármen Lúcia
Ayres
Britto
|
Embora em seu voto na ADPF 54 o relator Marco Aurélio tenha
insistido em dizer que não estava liberando o aborto, há alguns anos, em matéria
veiculada pela revista Veja,
edição n. 2076, de 3 de setembro de 2008, ele confessou seu verdadeiro
propósito:
“O tema anencefalia
é um gancho para discutir situações
mais abrangentes e fronteiriças. Em minha opinião, os casos de
interrupção de gestação de anencéfalo e os de aborto
de forma mais abrangente,
quando a gravidez não é desejada, possuem um ponto importante em comum: o
direito de a mulher decidir sobre a própria vida.
O princípio que está em jogo nessas
situações é o do direito à liberdade”[15].
Ao manifestar sua opinião em processo ainda pendente de
julgamento, confessando seu interesse por uma das partes e sua intenção de usar
a causa como “gancho” para a liberação do aborto, Marco Aurélio infringiu a Lei
Orgânica da Magistratura Nacional (art. 36). Mais ainda: incorreu em crime de
responsabilidade ao “proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e
decoro de suas funções” (art. 39, n. 5, Lei 1079/1959).
No dia 11/04/2012, o presidente do Senado José Sarney recebeu da
bancada católica e evangélica o pedido de “impeachment” do Ministro Marco
Aurélio
[16].
Caberá a uma comissão especial de senadores decidir o assunto.
Anápolis, 19 de abril de 2012.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis
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